segunda-feira, 28 de julho de 2008

MEMÓRIAS DE UMA PARTEIRA – parte 4

Sempre fui uma pessoa de riso fácil e ter que reprimi-lo me custava muito esforço. Ponha-se no meu lugar ante uma cena assim: Uma mulher em trabalho de parto, gemendo e, nesse sufoco, com um chapéu de homem enterrado na cabeça acreditando que com essa "simpatia" a criança nasceria logo, sem problemas...
Muitas mulheres se revoltavam na hora do parto e furiosas agrediam com palavras o marido. Por culpa deles é que estavam sofrendo tanto. Uma vez uma dessas parturientes, revoltada, procurava os chinelos porque queria levantar-se e se matar... Tive que lembrá-la que era melhor ir descalça. Assim pegaria uma pneumonia e o problema estaria resolvido. Mas o melhor seria que ela cooperasse e não ficasse se lamuriando. Até os animais diante dessa situação se acomodavam. A mulher percebeu o absurdo do seu comportamento, aquietou-se e logo depois a criança nasceu. Enternecida, com o filho nos braços, sorria. Pensei: Daqui a um ano, quando muito, novamente estarei aqui!
Alguns maridos se mostravam solidários com o sofrimento de suas mulheres e procuravam ajudá-las a seu modo.
Eis um caso que, mesmo depois de passar uma noite acordada, sem nenhum conforto, cheguei em casa rindo. Meus familiares ficaram curiosos com esse acesso de bom - humor. Contei o que acontecera. Durante o parto escutei um barulho esquisito: correria e falatório em volta da casa. Espiei pela janela e vi uma cena estranha. O "futuro papai", arreado como um cavalo, corria em volta da casa e um outro homem o chicoteava sem piedade. Ante meu espanto, a sogra da parturiente esclareceu:
- Meu filho está ajudando a mulher parir sem que ela sofra muito, dona.
Pois é, sem anestesia, era assim que os partos aconteciam...
Não é mesmo para dar saudade? Ao fazer essa retrospectiva não pude deixar de comparar todos esses acontecimentos com os que ocorrem agora. Quantas modificações!
As mulheres têm acesso a educação, estão se politizando e ganhando um lugar ao sol. Elas dispõem de acompanhamento médico desde que engravidam, fazem cursos para melhor entenderem as modificações que estão ocorrendo nos seus corpos, podem até saber o sexo do filho que esperam, marcam o dia e hora para o parto (geralmente uma cesariana)... E as crianças de proveta, então? Dizem até que já há possibilidade de se escolher o sexo da criança! E pensar que antigamente as crianças costumavam chegar a qualquer hora do dia ou da noite!
Mas, ao mesmo tempo, os jornais e a TV mostram que mesmo numa grande cidade ainda há muito daquilo que vi na primeira metade do século XX. E nas outras partes do país? O progresso certamente vai chegando de modo desigual e os bolsões de ignorância, de atraso, persistem em maior ou menor escala.
Na atualidade, muitas mulheres, tal como aconteceu comigo na primeira metade deste século, estão vivenciando a mesma problemática.Com ou sem Dr. Langgaard, estão ajudando a criançada vir ao mundo. Oxalá elas possam, no futuro, sentir a alegria que desfruto agora.
Sinto-me feliz por ter encontrado pessoas maravilhosas que me estimularam a estudar e a libertar-me de crendices. Dando-me essa oportunidade, consegui melhorar a vida de muita gente e, por que não, a minha também!

Um comentário:

Anônimo disse...

Linda história!!
Lembrei- me da "curiosas" que assistiam minha mãe na década de 40.....Dava tudo certo.A unica vez que foi para um hospital, o médico estava embriagado e fez um fórceps que deixou um dos meus irmãos com sequelas.