quinta-feira, 27 de novembro de 2008

DE MULHER PARA MULHER: AVÓ E NETA CONVERSAM

Numa tarde primaveril avó e neta, confortavelmente instaladas na varanda da casa, como sempre, conversavam. De repente, a menina olhou para a avó, com ar de surpresa, ao ouvir:
- Você e sua irmãzinha nasceram numa época bem melhor do que a minha e a das mulheres que me antecederam!
O interesse da neta, tão visível, impulsionou a avó a seguir nas suas cogitações.
- Pois é! Antigamente o nascimento de uma menina gerava, na maioria das vezes, certo desapontamento por parte do pai e, conseqüentemente, tristeza da mãe por não ter dado ao marido o filho desejado. Um menino perpetuaria o nome e os negócios da família, poderia fazer uma bela carreira... Pior ainda: era bastante comum os homens culparem a mulher pela geração de meninas. Mal sabiam eles, ignorantes da genética, que eram eles que determinavam o sexo da criança!
- Nossa! Meu pai é tão bacana! Está tão contente com seu novo bebê! Toda noite vai para o meu quarto e lê para mim até meu sono chegar.
- Seu pai é um homem moderno, sem preconceitos. Foi com esses valores que eu o eduquei. Você freqüenta escola desde muito pequena, certamente fará um curso superior, votará, poderá candidatar-se a cargos públicos, tornar-se economicamente independente, escolherá seu companheiro de vida sem nenhuma pressão familiar. Todas essas coisas, aparentemente naturais, foram conseguidas com muita luta. Não acreditavam que as mulheres tivessem o necessário discernimento para opinar sobre questões sociais, políticas e científicas. Elas eram tidas como cidadãs de segunda classe. Elas deviam viver para os outros e ninguém se preocupava com seus anseios.
- Minha mãe é advogada e trabalha muito. Ela faz tudo bem feito.
- Ela é uma ótima profissional e é reconhecida como tal. Isso é coisa de agora, mas nem sempre foi assim. No final do século XIX uma lei permitiu que as mulheres tivessem acesso ao ensino superior. Elas logo se candidataram aos cursos de medicina e de direito. Entretanto, colegas e professores, a sociedade e até mesmo a família não viram com bons olhos essa novidade. As jovens faziam o curso de Direito e os Tribunais não as aceitavam e, muito menos, o Instituto dos Advogados do Brasil. Muitas acabavam desistindo e se refugiavam no magistério que era uma profissão que os homens achavam aceitável para as mulheres. A sorte é que algumas tinham garra e se dispunham a lutar contra essa discriminação.
- Mas, por que não queriam que elas advogassem?
- Tanto a Igreja como o Instituto dos Advogados achavam que a mulher que trabalhava fora não cuidava direito da família e isso era uma perigo. Sendo muito emotivas não teriam condições de bem julgar as demandas. Também existia uma lei que dizia que elas precisavam de autorização marital para o exercício da profissão. Logo, elas não tinham independência uma vez que, a qualquer hora, o marido poderia proibi-la de trabalhar. Para derrubar esses absurdos não foi nada fácil. Foi preciso muita persistência e isso elas tiveram!
- Ah! Minha professora outro dia disse que o Brasil é um pais novo e por isso não é adiantado como outros que são antigos.
- Ela está, em parte, certa. Entretanto, o atraso com relação a mulher não acontecia só aqui. Era comum no resto do mundo e até hoje, em alguns paises, essa situação de colocar a mulher como um ser inferior ainda persiste. Na primeira metade do século XIX uma brasileira, Nísia Floresta, com apenas vinte e dois anos, escreveu um livro denunciando esse estado de coisa. Ela já havia abandonado o marido que lhe fora imposto aos 13 anos de idade e por causa disso precisou sair de sua cidade natal para evitar maledicências. Passou a escrever artigos para um jornal sobre a situação da mulher em diversos lugares do mundo. Nessa ocasião leu um livro que uma inglesa escrevera sobre esse tema e, encantada, resolveu traduzi-lo e adapta-lo à realidade brasileira. Foi um escândalo! Um dia você vai conhecer melhor a história dessa mulher e a sua luta para que vocês hoje pudessem freqüentar uma escola que não fizesse diferenciação entre meninos e meninas. Antigamente muitos pais não permitiam que as filhas estudassem. Aprendiam apenas prendas domésticas.
- O que é isso?
- Fazer os serviços da casa, bordar, costurar, dirigir as empregadas... Os mais velhos achavam que as meninas que aprendiam a ler e gostavam dos livros não iam conseguir casamento. Segundo eles, “Homens não gostam de mulheres letradas”. Foi o que sempre Cora Coralina ouviu na sua juventude.
- Credo! O que aconteceu com ela?
- Encontrou quem gostasse dela embora não a estimulasse a escrever. Assim mesmo, ela conseguiu formar sua família e, embora tardiamente, conseguiu ser conhecida e premiada como uma excelente poeta. Viúva, pobre e com muitos filhos precisava trabalhar muito para garantir o sustento da família. Fazia e vendia doces e, por incrível que pareça, junto do fogão, fazia versos e os registrava em qualquer pedaço de papel. Quando sobrava um tempinho, ela os transcrevia num caderno.
- Que bonito! Você falou que as mulheres de antigamente não escolhiam seu parceiro de vida. Elas não namoravam? Com você também foi assim?
- Eu e minha mãe tivemos sorte nesse aspecto. Ela precisou se impor, fazer valer a sua escolha, mas eu não. A experiência materna me deu liberdade para namorar quem eu quisesse. Antigamente os pais de meninas com treze anos já tratavam de lhes arranjar casamento e, de preferência, alguém que trouxesse alguma vantagem para a família. Não importava a idade do pretendente e nem o seu grau de parentesco. Se fosse rico ou influente na política, melhor. Ninguém consultava a menina. A vontade dela não era levada em conta.
- Que horror! Elas concordavam com isso?
- A maioria, infelizmente, sim. Havia outras, entretanto, que se revoltavam e não aceitavam a imposição. Outras, depois de casadas, abandonavam o marido e partiam em busca de seus anseios. Foi o caso da Chiquinha Gonzaga. Lembra-se da música “Abre alas” que ouvimos outro dia? Foi ela quem compôs. Anita Garibaldi, chamada de Heroína de Dois Mundos, também foi vitima de um casamento sem nenhuma afinidade. Tal como Chiquinha, também não se conformou com a vida insossa que não fora de sua escolha e, indiferente ao que os outros pensavam, abandonou o lar. Só depois de muito tempo é que elas foram reconhecidas e tidas como grandes mulheres. No seu tempo, foram difamadas e desprestigiadas.
- Puxa! Quero conhecer a história dessas mulheres valentes! Nunca pensei que elas tivessem precisado brigar tanto.
- Pois é, hoje temos mulheres ocupando os mais variados cargos com muita eficiência e desenvoltura. Mas é preciso lembrar quantas mulheres enfrentaram o preconceito, romperam os grilhões que as cerceavam e abriram caminhos para que outras, futuramente, os trilhassem sem tropeços.
- Sou mesmo “sortuda”. Não vou precisar lutar. Elas já fizeram o que devia ser feito!
- Engano seu, minha querida! Ganhamos muito espaço, mas não o suficiente. Ainda muitas mulheres estão acomodadas, são dependentes e aceitam ser tratadas como “mulheres objeto”. Outras, lutadoras, embora tenham mais escolaridade, ganham menos que os homens e quando pleiteiam cargos relevantes, em igualdade de condições com os homens, acabam sendo preteridas. Vocês que estão se preparando para o mercado de trabalho é que terão de conquistar esse espaço. Afinal, a metade da população do mundo é formada por mulheres e não se pode desperdiçar o talento delas. Com essa contribuição, certamente, o mundo se tornará melhor.
- O que eu posso fazer para que isso aconteça?
- Estudar, procurar conhecer melhor o esforço dessas mulheres para conquistar o espaço que atualmente ocupamos tão naturalmente. Hoje já existe muito estudo sobre o que elas fizeram, ao contrário dos tempos antigos onde, achando que a contribuição delas era irrisória, não costumavam registrar suas atividades. Mas tudo isso é pouco divulgado. O povo geralmente não conhece a história delas. Quer um exemplo? Onde você mora?
- Ah! Você sabe, na rua Francisca Julia!
- Muito bem. Será que algum morador dessa rua sabe quem foi Francisca Júlia? Experimente fazer essa pergunta para os seus vizinhos do prédio e depois me conte. É normal que você ainda não saiba e, por isso, pegue aquele dicionário da segunda prateleira e procure em SILVA, Francisca Julia da. Isso. Agora leia para mim.
- “Francisca Julia da Silva – (1874 – 1920) - Nasceu em Xiririca (SP), atual Eldorado. Colaborou em diversos jornais de São Paulo. Estreou anonimamente com versos magníficos a ponto dos editores duvidarem que uma mulher os tivesse escrito. Nos seus versos condensava uma expressão de arte diferente do seu sexo; plasmou-os em forma e sentimento à semelhança dos mais perfeitos poetas parnasianos, ombreando-se com Raimundo Correia, Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e tantos outros valores de sua época. Escreveu diversos livros ...”
- Agora você sabe onde achar informações sobre muitas delas. Hoje seus nomes servem apenas para designar hospitais, escolas, ruas e praças ... As pessoas não sabem o que elas fizeram para serem assim homenageadas.
- Legal! O dicionário traz um retrato dela. Era uma mulher muito bonita! Depois vou acabar de ler o restante do texto.
- Que bom que você gostou. Por isso, minha querida, seja sempre corajosa e lute por seus direitos. Nada de comodismo! Acredite nos seus anseios e, se preciso for, enfrente qualquer situação.
- Estou pensando e, sabe vovó, um dia vou contar pra minha irmã toda essa nossa conversa. Gostei muito! E, acredito, ela também vai gostar.
A avó sorriu. Afinal, não só ganhara uma nova defensora dos direitos femininos, mas também uma eficiente multiplicadora dessas idéias!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A poesia que me encantou nos meus verdes anos...

Rima XXIV
G. Becquer

Dos rojas lenguas de fuego
Que a un mismo tronco enlazadas
Se aproximan, y al besarse
Forman una sola llama.

Dos notas que del laúd
A un tiempo la mano arranca,
Y en espacio se encuentran
Y armoniosas se abrazan,

Dos olas que vienen juntas
A morir sobre una playa
Y que al romper se coronan
Con un penacho de plata,

Dos jirones de vapor
Que del lago se levantan
Y al reunirse en el cielo
Forman una nube blanca,

Dos ideas que al par brotan,
Dos besos que a un tiempo estallan,
Dos ecos que se confunden,
Eso son nuestras dos almas.


Encantei-me com essa poesia quando cursava o colegial nos idos de 1943. Depois, a perdi de vista . Estive sempre a sua procura e, em 98, Diane, minha neta, me enviou uma porção de poesias de Becquer.No meio de tantas Rimas, lá estava ela. Não é mesmo linda? H.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Só rindo...

Só rindo


Há situações que exigem, de todos, uma atitude sóbria. Mas, geralmente, não é o que sempre acontece. Quem já foi a um velório sabe bem disso. De repente o riso surge e é preciso muito esforço para contê-lo. Foi o que me aconteceu por ocasião do falecimento de um amigo. Eu e mais duas pessoas estávamos, em silêncio, numa saleta onde serviam café, chá e bolachas. Nisto entrou uma senhora, dessas que não conseguem ficar caladas, e começou a fazer uns comentários:
- Qual está melhor? O café ou o chá ?
Não esperou resposta e continuou falando.
- Pois é, condenam tanto o café, dizem que faz mal para saúde e que é melhor tomar chá. Ora, o chá tem mais CAFETINA que o café…
Sair rápido da saleta parecia a melhor solução, mas como não entrar sorrindo no velório?