sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O beijo roubado

Eu estava num daqueles dias que chamo de estado de graça. Acabara de receber a visita de uma amiga, muito querida, que não via há muito tempo. Passamos horas muito agradáveis. Trouxe-me, de presente, duas coisas que aprecio muito: um livro e bombons.
Quando ela se foi, fiquei na varanda da minha casa. Queria usufruir do doce perfume que vinha do jardim. Era uma tarde primaveril, luminosa. Da varanda, dava para ver a rua onde crianças patinavam e alguns carros passavam. Também estavam ali os costumeiros namorados, abraçados, se beijando completamente indiferentes aos que por ali transitavam.
Sentei-me, abri o livro e apanhei um bombom. Era um Baci Perugina. Ao desembrulhá-lo, encontrei um pensamento de Maupassant escrito em quatro línguas: italiano, inglês, francês e espanhol. Dizia ele: “Un baiser légal ne vaut jamais un baiser volé.” Tornei a olhar para os namorados. Lá estavam eles se beijando como se nada mais existisse no mundo. Trocariam eles esse beijo consentido por um roubado? Maupassant viveu no século XIX quando os enamorados eram submetidos a uma vigilância sem trégua. Seria por isso que esses beijos roubados ganhavam um sabor especial, diferente do consentido?
Voltei ao livro. Vi o índice, algumas notícias sobre o autor, mas a frase de Maupassant persistia na minha mente. Busquei na minha memória e percebi que nunca tinha passado pela experiência do beijo roubado. Nem roubei, nem fui roubada. Que diabo! Pensei sorrindo, será que eu perdera a oportunidade de vivenciar algo especial? Tornei a olhar para os namorados. Continuavam na mesma, abraçados, não falavam e só se beijavam. Teriam eles experimentado, algum dia, esse prazer tão decantado por Maupassant? Mas, que bobagem eu estar me preocupando com os pensamentos de Maupassant! Afinal, embora bom romancista, ele era um perturbado mental.
Folheei o livro. Parecia bastante interessante. Minha amiga continuava sabendo das minhas preferências embora nossos encontros fossem raros, ultimamente. Tentei me aprofundar na análise do livro. Mas, e o beijo roubado? Tornei a fazer conjecturas.
Ora, hoje o beijo está tão banalizado. Beija-se por tudo e por nada. Antes o beijo era raridade e reservado para os escolhidos. Era um momento muito esperado, desejado e difícil de se tornar realidade. Talvez por isso causasse tanto frenesi quando acontecia de modo inesperado. Com essa banalização do beijo, não mais há lugar para o encanto daquele roubado. Definitivamente, Maupassant, como dizem os jovens de hoje, já era!
Alguém chegou e tirou-me dessas cogitações. Era minha neta. Estava feliz e, como a tarde, luminosa.
Que aconteceu? Você está radiante!
Sabe, “vó”, hoje aconteceu-me uma coisa que me deixou arrepiada. Lembra-se daquele colega, bonitão, que costuma estudar comigo? Você sabe que eu sempre estive interessada nele. Ele, entretanto, parecia distante. Pois é, hoje estávamos conversando animadamente quando, rindo, olhei para ele. Não é que o danado, rapidamente, me deu um beijo na boca?
Pronto, pensei eu, não é que Maupassant tinha razão? Os costumes mudam, mas as emoções, nem tanto! Precisou que minha neta me ensinasse isso…