quarta-feira, 7 de outubro de 2009

84 anos!!!

03/10/09
Hoje, fora dos meus hábitos, acordei cedo: 6,30h. Pensei: acabo de completar 84anos! É muito tempo, mas parece ser tão pouco!. Que me espera no dia de hoje? Nessa caminhada perdi entes queridos, meu filho e família moram no exterior... Devo receber alguns telefonemas, mensagens e – quem sabe? – a visita de alguns parentes e amigos. Tudo será muito diferente dos outros tempos. Levantei-me e continuei na rotina de sempre mas um fato novo ocorreu. Ex- alunas me telefonaram e duas delas, Eneida Haddad e Mirian Sanches Mendes, me surpreenderam. Avisaram: Vamos abraçá-la Não se preocupe com nada. Nós garantimos o essencial: bolo, vinho do Porto e salgadinhos!
E vieram com muita alegria e muito carinho! Sou realmente uma pessoa privilegiada! Foram minhas alunas na década de 60! O que será que eu fiz para merecer ainda tanta afetividade? Gostaria de saber no que é que eu acertei para merecer toda essa atenção. Será que eu acertei com outras também? Algumas mais? Mais tarde irmãos e sobrinhos participaram da reunião enquanto eu, encantada, recebia os abraços, atendia telefonemas e, finalmente, assoprava a velinha do bolo... Estava acontecendo uma coisa que achava impossível: eu estava participando! As duas amigas deram um toque especial na reunião permitindo que eu vencesse mais uma barreira nas muitas que enfrento depois que perdi meu companheiro de 55 anos. Obrigada Eneida, Obrigada Mirian!

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

O beijo roubado

Eu estava num daqueles dias que chamo de estado de graça. Acabara de receber a visita de uma amiga, muito querida, que não via há muito tempo. Passamos horas muito agradáveis. Trouxe-me, de presente, duas coisas que aprecio muito: um livro e bombons.
Quando ela se foi, fiquei na varanda da minha casa. Queria usufruir do doce perfume que vinha do jardim. Era uma tarde primaveril, luminosa. Da varanda, dava para ver a rua onde crianças patinavam e alguns carros passavam. Também estavam ali os costumeiros namorados, abraçados, se beijando completamente indiferentes aos que por ali transitavam.
Sentei-me, abri o livro e apanhei um bombom. Era um Baci Perugina. Ao desembrulhá-lo, encontrei um pensamento de Maupassant escrito em quatro línguas: italiano, inglês, francês e espanhol. Dizia ele: “Un baiser légal ne vaut jamais un baiser volé.” Tornei a olhar para os namorados. Lá estavam eles se beijando como se nada mais existisse no mundo. Trocariam eles esse beijo consentido por um roubado? Maupassant viveu no século XIX quando os enamorados eram submetidos a uma vigilância sem trégua. Seria por isso que esses beijos roubados ganhavam um sabor especial, diferente do consentido?
Voltei ao livro. Vi o índice, algumas notícias sobre o autor, mas a frase de Maupassant persistia na minha mente. Busquei na minha memória e percebi que nunca tinha passado pela experiência do beijo roubado. Nem roubei, nem fui roubada. Que diabo! Pensei sorrindo, será que eu perdera a oportunidade de vivenciar algo especial? Tornei a olhar para os namorados. Continuavam na mesma, abraçados, não falavam e só se beijavam. Teriam eles experimentado, algum dia, esse prazer tão decantado por Maupassant? Mas, que bobagem eu estar me preocupando com os pensamentos de Maupassant! Afinal, embora bom romancista, ele era um perturbado mental.
Folheei o livro. Parecia bastante interessante. Minha amiga continuava sabendo das minhas preferências embora nossos encontros fossem raros, ultimamente. Tentei me aprofundar na análise do livro. Mas, e o beijo roubado? Tornei a fazer conjecturas.
Ora, hoje o beijo está tão banalizado. Beija-se por tudo e por nada. Antes o beijo era raridade e reservado para os escolhidos. Era um momento muito esperado, desejado e difícil de se tornar realidade. Talvez por isso causasse tanto frenesi quando acontecia de modo inesperado. Com essa banalização do beijo, não mais há lugar para o encanto daquele roubado. Definitivamente, Maupassant, como dizem os jovens de hoje, já era!
Alguém chegou e tirou-me dessas cogitações. Era minha neta. Estava feliz e, como a tarde, luminosa.
Que aconteceu? Você está radiante!
Sabe, “vó”, hoje aconteceu-me uma coisa que me deixou arrepiada. Lembra-se daquele colega, bonitão, que costuma estudar comigo? Você sabe que eu sempre estive interessada nele. Ele, entretanto, parecia distante. Pois é, hoje estávamos conversando animadamente quando, rindo, olhei para ele. Não é que o danado, rapidamente, me deu um beijo na boca?
Pronto, pensei eu, não é que Maupassant tinha razão? Os costumes mudam, mas as emoções, nem tanto! Precisou que minha neta me ensinasse isso…

terça-feira, 26 de maio de 2009

À Diane,no seu 4º aniversário

Ser avó nos deixa, simplesmente , encantada! A gente até pensa que pode fazer versos. Avó coruja é assim mesmo!

À DIANE, NO SEU 4º ANIVERSARIO

Avó coruja

AO SABERMOS QUE VOCÊ CHEGARIA,
QUE ALEGRIA!
SERIA UMA MENINA,
BEM FEMININA?
OU, ENTÃO,
UM GAROTÃO?
AH! QUANDO VOCÊ CHEGOU...
A TODOS ENCANTOU
ENTRE PISCADELAS, NOS OLHOU...
E QUEM É QUE NÃO GAMOU?
VOCÊ QUERIDA, NESSE TEMPO TODO,
COM TANTO DENODO,
ENCHEU NOSSOS CORAÇÕES
DE TANTAS EMOÇÕES!
VOCÊ, NETA TÃO COMPLETA,
NÃO MAIS ANALFABETA, MELHOR NÃO PODERIA SER
E NEM PRAZER MAIOR TRAZER!
DE BELEZA NATURAL, SEM IGUAL,
GRACIOSA, MARAVILHOSA,
INTELIGENTE, EXIGENTE,
BILÍNGÜE...
AH! E QUANDO VOCÊ NOS DISTINGUE
COM SEU SORRISO, COM SEU CARINHO,
NÃO PRECISA SER ADIVINHO,
NOSSA FELICIDADE É COMPLETA,
GRAÇAS A VOCÊ, QUERIDA NETA!
E POR ISSO,
DE MODO INCONTIDO,
DIZEMOS:
QUE BOM VOCÊ TER NASCIDO

domingo, 12 de abril de 2009

Comandantes de Capitanias Hereditarias - in Elas, as pioneiras do Brasil

Atendendo o pedido de C.M.V.V. - ES



Comandantes de Capitanias Hereditárias, as “capitoas”
Séc. XVI

Elas não vieram para o Brasil como comandantes de capitanias. Nem o rei as nomearia, pois não acreditava que elas fossem capazes de desempenhar essa função. Os maridos é que foram designados. Na sombra, elas foram o apoio do marido e, muitas vezes assumiram o posto, por pouco ou muito tempo e, em caso de doença ou morte do marido, o tempo que fosse necessário.

Ana Pimentel
Séc. XVI

Era esposa de Martim Afonso de Souza, donatário da capitania de São Vicente. Foi ela que iniciou o cultivo da laranja, do arroz, do trigo e a criação de gado na região, tornando a capitania muito próspera. Martim Afonso ficava livre para outras atividades que seu cargo exigia. E eram muitas!
Um ano depois de ter fundado a cidade de São Vicente, Martim Afonso, a pedido do rei, voltou para Portugal. Outras missões o aguardavam. Ana ficou à frente da capitania administrando-a de 1534 a 1544.

Brites Mendes de Albuquerque
Séc. XVI
Era esposa de Duarte Coelho Pereira e assumiu o comando da Capitania de Pernambuco, em 1554, após a morte do marido. Gilberto Freyre lhe dedicou apenas três linhas na sua famosa obra “Sobrados e Mocambos” ressaltando que os colonos ainda não estavam tão preocupados em estabelecer diferenças de atividades entre os sexos. Afinal, eles precisavam da ajuda feminina, embora não o confessassem, para o desempenho de suas funções. Daí o relato de G. Freyre:
“Foi nesse período de relativa indiferenciação, que uma capitania poderosa – a Nova Luzitânia – chegou a ser governada por uma ilustre matrona: D. Brites, mulher de Duarte Coelho.”

Luiza Grimaldi
Séc. XVI

A italiana Luiza Grimaldi, casada com Vasco Fernández Coutinho Filho, assumiu o comando da capitania do Espírito Santo depois da morte do marido, ocorrida em 1589. Nessa ocasião, os frades franciscanos, Antonio dos Mártires e Antonio das Chagas chegaram à capitania e iniciaram a construção do Convento de São Francisco em terras doadas por Luiza, em Vitória.
Em 1592 o pirata inglês Thomas Cavendish, com cinco naus, se aproximou da baia de Vitória. Colonos e índios se uniram para o confronto com os invasores. Mulheres e crianças se refugiaram na mata enquanto os piratas avançavam. A primeira nau, a Leicester, encalhou na ilha do Boi. Usando duas lanchas, os ingleses tentaram desembarcar em Penedo, mas foram atacados pelo fogo e flechas das trincheiras do norte e tiveram que recuar. Tentaram atacar no sul e também foram repelidos e, depois de muitas baixas, desistiram de saquear a vila de Vitória. A partir desse incidente, os índios goitacáses que antes eram hostis aos colonos, não mais os importunaram. O perigo comum serviu para que índios e colonos se entendessem.
Durante quatro anos Luiza Grimaldi administrou a Capitania do Espírito Santo provando que tinha capacidade para tanto. Em 1593 Luiza retirou-se para Portugal após o reconhecimento dos direitos de Francisco de Aguiar Coutinho, parente de Vasco Fernandes Coutinho Filho. Esse reivindicador, entretanto, só assumiu o posto depois de 1605.
Ao chegar em Portugal, Luiza recolheu-se ao Convento Dominicano do Paraíso, em Évora. Foi uma das depoentes no processo de beatificação de Anchieta.
Faleceu em Évora, em 1626.


Inês de Sousa
Séc. XVI
Uma hábil estrategista

Salvador Correia de Sá viera ao Brasil (1578-1598) com o cargo de Governador e se instalara com a família no Rio de Janeiro. Volta e meia precisava afastar-se do povoado para explorar o interior, aprisionar índios. Nessas ocasiões ia acompanhado por todos os homens da vila. Nela ficavam as mulheres, os velhos e as crianças. Os problemas rotineiros sua esposa, Inês de Sousa, ficava encarregada de resolver.
Certa vez, quando o governador e todos os homens estavam ausentes, três naus corsárias francesas apareceram no horizonte, em frente da Baia de Guanabara. Talvez o Rio de Janeiro fosse uma presa fácil, devem ter pensado os corsários.
E teria sido mesmo se Inês de Sousa não tivesse iniciativa e criatividade. Com o apoio do administrador eclesiástico da capitania ela pode por em prática o seu plano para evitar que os corsários atacassem e saqueassem a vila. Mandou que todas as pessoas vestissem armaduras masculinas e forjassem manobras de defesa nas praias. Em pouco tempo todos estavam a postos e deram inicio “às manobras”.
O plano deu certo. Os franceses, vendo toda aquela movimentação, desistiram da pilhagem e se afastaram da vila. Mais adiante, entretanto, extraíram pau-brasil no litoral. Afinal, Inês com sua estratégia fez acontecer “dos males, o menor”.
Fontes consultadas:
Freyre, Gilberto – Sobrados e Mocambos – Livraria Editora José Olympio – Rio de Janeiro;
Dicionário Mulheres do Brasil de 1500 até a atualidade – Ed.JorgeZahar;
Internet
o educaterra.terra.com.br/almanaque/diadamulher/mulheres16_anapimentel.htm;
o www.redegoverno.gov.br/mulhergoverno/ ;
o www.prossiga.br/bvmulher/cedim/ ;
o www.novomilenio.inf.br/cubatão/ch002.htm;
o www.vitoria.es.gov.br/secretarias/cultura/ihges/historico.htm-28k’;
o www.vitoria.es.gov.br/secretarias/cultura/ihges/cronologia.htm -70k;
o www.mulher500.org.br/biografia_indice.asp ;
o www.cmnmulheredemocracia.org.br/perfis_queiroz.htm - Ver Brites

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Depois da aposentadoria - novos caminhos

Depois que me aposentei não mais quis dar muito espaço para o que havia feito nos últimos trinta anos. Sempre achei que não temos o hábito de explorar nosso potencial., apenas o arranhamos. Não podia deixar de lado toda a minha experiência, mas queria trilhar novos caminhos. Tantos interesses povoaram minha mente na longínqua adolescência! Muitos deles foram abandonados, eu acreditava, provisoriamente. Precisava optar por um deles, ganhar minha independência, procurar ser uma profissional respeitável, reciclar-me freqüentemente... Só com a aposentadoria pude rever com mais atenção meus antigos interesses. E eles foram aflorando!!! Desenho e pintura foram os primeiros. Comecei freqüentando cursos, ateliês e criando coragem para expor meus trabalhos. Tive sorte. Ganhei prêmios no Brasil e no exterior durante os dez anos que me dediquei a essa atividade.
Foi quando me interessei pela Informática. Encantei-me ao percebê-la como ferramenta indispensável para um outro campo que me atraia: a escrita.Sempre abominei a máquina de escrever. Meu ritmo como datilógrafa não se ajustava com o das minhas idéias. O computador permitia que eu despejasse, sem nenhuma ordem, tudo que eu pretendia escrever. Só depois, então, passava a ordenar o texto. Comecei a por no papel, de modo sistemático, as histórias que criara para minha neta, a história de vida de minha mãe – Uma mulher, uma revelação - depois passei a participar de antologias, concursos até que resolvi editar meus trabalhos: Pois é!!! Cada um na sua ... e Ah! Essas crianças ( literatura infantil); Elas, as pioneiras do Brasil (Historia do Brasil sob a ótica feminina) e Enfermeiras do Brasil –Historia das pioneiras (esta em parceria com Victoria Secaf). Simultaneamente escrevi a biografia de 6 patronos de cadeiras da Academia Paulista de Psicologia. A minha experiência com a pintura permitiu que eu ilustrasse meus livros.
A informática também me deu instrumentos para outras atividades. Usando o Corel Draw pude fazer desenhos para ilustrar alguns documentários que realizei no Power Point e no Delphi. Assim nasceram os seguintes documentários: Quer saber como eu era no século passado? (sobre os 21 anos de minha neta); Jornal editado durante 21 anos, sempre no Natal – O Amigo Indiscreto – para que minha neta,nascida em 1979, conhecesse o estilo de vida da nossa família (reunido num CD); Pintura – representando um Museu, com muitas salas, cada uma apresentando 11 obras de minha produção ( lápis, carvão, aquarela, nanquim, pastel, óleo e acrílico sobre tela, técnicas mistas e artesanato, em CD); Século XX ( Historia da família desde o final do século XIX, por décadas e a partir do meu casamento, em 1952, ano a ano); Numerologia (em CD) todos usando o programa Delphi. No Power Point – Pinturas - sobre meus quadros premiados, com suas fotos e Histórias infantis - Descobrindo o mundo - ilustradas e com movimento.
Ainda utilizando a Informática desenvolvi os desenhos necessários – em Corel Draw - para depositar, em 2003, um invento – Placa para apresentação de genealogia sob a forma concêntrica e sintética – no INPI. Por incrível que pareça só agora, em 2009, consegui obter a Patente. Dá tempo para qualquer invento se tornar obsoleto. O outro, que era sob a forma analítica, não foi aprovado e a argumentação para tanto foi totalmente ridícula. Não é a toa que os inventores do Brasil acabam patenteando seus produtos no exterior. Pois é, dizem que o desenvolvimento de um país pode ser medido pela sua capacidade inventiva. O brasileiro é criativo, mas com o nosso INPI...
O importante, entretanto, é ir tentando ...

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

PRAZER EM CONHECÊ-LO , DOUTOR!

Há coisas que exercem um certo fascínio sobre nós, nos estimulam a pesquisar e nos põe a caminho. Foi o que me aconteceu com relação ao doutor. Só tinha fragmentos de sua maneira de ser obtidos através do testemunho dos que com ele conviveram e, também, do que restou de seus pertences.
Uns dados aqui, outros acolá foram aguçando o meu interesse em compor esse quebra-cabeça. Tudo indicava que ele era uma figura excepcional.
Do seu trabalho e de seus amores antes de instalar-se na pequena cidade que o abrigou até o final de seus dias, sei muito pouco.
Nasceu no nordeste no final do Império. Formado em Medicina pela Faculdade da Bahia desfrutou, em Salvador, de um ambiente altamente intelectualizado. Os estudantes embrenhavam-se nas filosofias, mormente o positivismo, na literatura e nas artes em geral. A influência francesa dava aos jovens de então uma cultura geral muito ampla e de ótima qualidade.
Logo que se formou clinicou em Manaus por algum tempo. Depois, foi para o Rio de Janeiro onde encontrou colegas radicados no interior paulista. O entusiasmo deles por essa região foi contagiante. Foi assim que ele resolveu também tentar a sorte nessas paragens. Santo Antonio foi o local escolhido. O doutor tinha, então, pouco mais de 30 anos.
O interior paulista no começo do século XX apresentava características muito interessantes: a ocupação de suas terras, a interação de imigrantes e de nacionais de diversos recantos do país, os problemas de saúde, as crendices, a situação das mulheres e das crianças nesse contexto, as dificuldades econômicas, o problema educacional, os estilos de vida dos diferentes grupos se entrelaçando, os preconceitos, o controle social das pequenas comunidades, a chegada dos últimos inventos naqueles rincões... Era um ambiente muito estimulante para uma cabeça privilegiada. Muita coisa precisava e deveria ser feita numa terra assim.
Poeirento e pequenino, o povoado de Santo Antonio ficava no meio de imensos cafezais. Fora fundado no começo do século por italianos, espanhóis e caboclos moradores na região. Doaram as terras e delinearam a cidade: cinco por cinco ruas, umas maiores, outras menores, mas com toda a simetria de um tabuleiro de xadrez incompleto. No centro, reservaram uma praça onde ficaria a igreja e, mais tarde, o jardim. As casas, a maioria delas, de alvenaria foram construídas junto as calçadas e eram de boa qualidade para a época. A capela, a escola, a farmácia e o cartório vieram logo depois e, com eles, os seus titulares.
A região era rica, com grandes fazendas. Seus proprietários eram, muitos deles, requintados, com casas em cidades maiores e com filhos estudando na Europa. Seus colonos, entretanto, eram muito pobres e, não raras vezes, tinham suas casas no mangueirão dos porcos. A desigualdade era chocante.
O comércio, indispensável num povoado, estava nas mãos de árabes.
A medida que o povoado ganhava corpo dois fatos emergiam: a luta pelo poder com todas as malquerenças entre os políticos, e a jogatina. No primeiro caso, a luta era tão acirrada que deu lugar até a assassinatos. No segundo, grandes dificuldades econômicas e familiares na vida de seus adeptos.
As festas em louvor ao padroeiro atraiam muitos visitantes ao novo povoado. Cerimônias religiosas, quermesses com leilões, rifas, correio elegante, fogos, animavam o largo da capela.
Em 1918, juntamente com a luz elétrica, o doutor chegou ao povoado. Comprou uma casa de alvenaria com um quintal enorme onde poderia plantar árvores frutíferas e fazer um belo jardim.
Na sua bagagem havia muitos livros e discos. Dominando diversos idiomas lia e tinha acesso ao que de mais novo e significativo aparecesse nas livrarias. Em sua vitrola RCA VICTOR, a mais moderna de então, ouvia, nas suas horas de folga, as maiores virtuoses do violino, as grandes sinfônicas, a voz possante de Caruso, Tita Rufo, Mme. Melba e muitos outros. Gostava de cantar. Livros em inglês traziam o enredo das óperas e informavam sobre os principais intérpretes de cada uma. Os livros de medicina, quase todos, eram franceses.
A clientela foi surgindo. Para percorrer as fazendas comprou um cavalo e, depois, um trole. Os carros vieram mais tarde quando as estradas melhoraram.
Estabeleceu um sistema para dar atendimento médico a população. Através de uma pequena quantia mensal o associado teria toda a assistência que precisasse. O interessante é que os pobres pagavam, mas os fazendeiros...
Estudar para exercer melhor sua profissão, ler romances, ouvir música, uma acalorada discussão filosófica com o padre ocupavam parte de suas horas vagas. Mas havia algo mais que o empolgava. Era o seu jardim. Cultivava as mais belas rosas. De início comprava mudas em São Paulo. Depois passou a fazer enxertos e aguardava, com curiosidade e satisfação, o desenvolvimento de cada uma de suas plantas.
Que impressão esse homem causava aos moradores do povoado?
Os que se aproximavam do seu nível cultural, o admiravam: os políticos que se digladiavam, o respeitavam; os clientes, o elogiavam e, as moças solteiras, suspiravam imaginando a possibilidade de casamento. .Alguns fatos ilustram bem a sua maneira de ser e seu amor pela profissão.
Estava sempre disposto a auxiliar as pessoas a sua volta.. Trouxe, do nordeste, todos os seus irmãos e os ajudou a se estabelecerem aqui. Não foi uma tarefa fácil. Eles eram muito diferentes do doutor. Ficaram muito tempo em São Paulo, vivendo as custas do irmão. Foi um caboclo de dente limado que, através de um sábio conselho, o ajudou a livrar-se dessa exploração.
- Oi doutor, em cidade pequena a gente sabe de tudo. O senhor todo mês manda uma dinheirama pros seus irmãos. Não está na hora de arranjar um trabalho pra eles? Tenho um amigo que está vendendo o cartório. Ele está velho e não tem filhos. Por 30 contos ele vende.
Depois de pensar muito resolveu fazer o negócio. Até sair a nomeação para o cargo os sete irmãos se hospedaram na casa do doutor. Foi aí que ele percebeu o quanto os irmãos eram diferentes dele. Era preciso ter paciência. Sendo o mais velho tinha o dever de encaminhá-los.
Sua generosidade não se limitava a família. Bastava que alguém precisasse dela estava ele disposto a dar sua ajuda.
As órfãs que perderam o único irmão num acidente conseguiram completar seus estudos graças as idéias e ao auxílio financeiro do doutor. Conseguiu convencer o fazendeiro que recebera provisoriamente as jovens na sua casa que, a melhor solução, seria que elas continuassem seus estudos e se tornassem auto-suficientes. Poderiam dividir as despesas meio -a- meio. Mais tarde, quando já formadas, uma delas se interessou pelo médico. Ele não quis. Não queria misturar as coisas.
O povoado precisava de uma farmácia e ele financiou uma. O sócio, viciado em jogo, deu-lhe um prejuízo enorme. Penalizado com a situação da família do safado, não o denunciou e pagou todas as contas pendentes. Apenas o despediu.
Teve muitos amigos e também colegas desleais. Sempre soube resolver os casos com boa vontade e firmeza. Muitos anos após seu falecimento ainda apareciam, na farmácia local, algumas de suas receitas cuidadosamente guardadas por antigos clientes que as mandavam aviar quando ficavam doentes.
Atendia seus pacientes a qualquer hora do dia ou da noite. Podia estar chovendo, a noite fria, lá ia ele fazer um parto, reduzir uma fratura, aplicar um soro no infeliz que fora picado por uma cobra, atender uma crise asmática... A sua marca na pequena cidade perdurou por muito tempo.
O fato, entretanto, que mais me impressionou foi o conceito que tinha relativo a mulher. Ele se apaixonou por uma jovem, filha de imigrantes, criada na zona rural e semi-alfabetizada. Além da beleza, vislumbrou nela uma inteligência acima da média e uma capacidade de aprender muito grande. Estava ali um desafio, uma verdadeira tarefa de Pigmalião. Sempre acreditara que as mulheres, se lhes dessem as mesmas oportunidades que se costuma dar aos homens, seriam capazes que produzir tanto quanto eles, em qualquer área.
Ele a viu pela primeira vez enquanto examinava os filhos do vendeiro espanhol. As crianças estavam com febre, mas não era nada grave. No dia seguinte, voltou à casa do vendeiro para ver as crianças que já estavam boas. Voltou de novo e não viu a mocinha. Resolveu perguntar por ela e ficou sabendo que era a irmã caçula do vendeiro e que morava no sítio. O vendeiro sorriu e pensou: Mais um encantado com ela! Agora, o doutor!
Quando os espanhóis venderam o sítio e foram morar na cidade o doutor ficou sabendo que a moça desfizera um noivado. Por que? Não interessava. Nessa época já tinha um carro e nas suas visitas aos clientes da zona rural convidava o pai da moça para acompanhá-lo. Gradativamente foi se aproximando até conseguir que ela também se interessasse por ele.
A diferença cultural era muito grande. Pensou em matriculá-la num colégio. O pai dela não gostou nem um pouco da idéia. O doutor consultou a jovem: estaria ela disposta a estudar sob sua orientação? Ela concordou e as aulas começaram imediatamente. O professor, muito versátil, atuava em todos os setores: era na escrita, na leitura, nas boas maneiras, no vestir... Com um mestre exigente e uma aluna aplicada o bom resultado logo se evidenciou. E o casamento l aconteceu.
Os irmãos dele não entenderam a razão dessa escolha e assim se expressaram:
- É necessário, essencial, é imprescindível que ela se amolde aos nossos costumes, aos nossos padrões.
O doutor não tinha a menor dúvida quanto a capacidade da sua escolhida. Ela tinha tudo para crescer, aprimorar-se. Era inteligente e estava disposta a “ir além”, superar-se. Dando-lhe oportunidade, em pouco tempo, desabrocharia em toda a sua plenitude. Se os irmãos colaborassem a tarefa seria mais fácil ainda, Tal não aconteceu. Enciumados, ao invés de ajudaram, eles criavam problemas, a desvalorizavam, tentavam ridicularizá-la.
Certa vez, enquanto a jovem servia café para os cunhados, uma delas lhe perguntou:
- Cunhada, qual é mesmo a capital da Dinamarca?
A tentativa de ridicularizá-la era evidente. Mais uma vez o doutor iria certificar-se que ele não se enganara. Ela era realmente muito inteligente e perspicaz. A resposta foi imediata:
- Estou admirada que vocês façam essa pergunta para mim. Afinal, quem é que freqüentou tantas boas escolas? Eu ou vocês?
Os olhos do doutor brilharam. Ele percebera toda a armação e aprovara a resposta. Mais tarde comentou com a esposa:
- Parabéns! Gostei de sua resposta. Você se saiu muito bem! É isso mesmo que você deve fazer. Devolva o problema para quem o tenha proposto.
Noutra ocasião uma das irmãs do doutor usava um vestido com um bordado muito bonito que chamou a atenção da jovem. A dona do vestido, percebendo o interesse da cunhada, procurou logo desencorajá-la dizendo:
- É muito difícil. Você não vai aprender.
Uma semana depois a jovem esposa, orgulhosamente, apresentou a cunhada um bordado perfeito do mesmo estilo daquele que ela tanto gostara. Como fizera? O doutor lhe ensinara, pois vira muitas vezes a mãe bordando. Como era muito observador não perdera nenhum detalhe. Esses desafios os deixavam muito felizes.
Com esse empenho do professor e com a inteligência e aplicação da aluna, em pouco tempo a jovem parecia outra. Sabia receber os colegas do marido com muita elegância. Vestia-se com muito apuro. Cortou os cabelos e fez um penteado mais moderno. Tornou-se uma leitora assídua. Não só os romances e as poesias a atraiam. Interessou-se pela profissão do marido. Aprendeu a esterilizar o instrumental do consultório, fazer injeções e pequenos curativos. O doutor mostrou-lhe um livro sobre partos e ela se interessou muito. O passo seguinte foi levá-la a assistir alguns. Ele achava que num lugar tão carente quanto aquele era muito bom que as mulheres tivessem uma boa informação sobre esse assunto. Muitas vidas seriam salvas com essa medida.
Na década de 20 as mulheres sofriam muitas limitações, mormente nos lugares afastados dos grandes centros. Numa cidade pequena como Santo Antonio, na boca do sertão paulista, a mulher vivia de um modo muito antiquado. Pouca oportunidade de educação; saúde mal cuidada; casamento precoce, às vezes, sem opção de escolha; posição servil nessa nova relação; um filho por ano e todas as tarefas domésticas a seu cargo... Aos 30 anos a maioria das mulheres dessa época, nesses lugares distantes, estava envelhecida, com poucos dentes, corpo disforme, desiludidas e amargas.
Esse era um quadro que não agradava ao doutor. Gostaria que as mulheres tivessem melhores condições de vida. Não podia, ostensivamente, mudar a situação vigente, mas poderia ser um exemplo. Queria sua mulher bonita, bem vestida, refinada, moderna... Ensinou-a dirigir carro. Fico pensando no espanto do pessoal ao vê-la dirigindo a sua Buick na poeirenta cidade de Santo Antônio nos anos 20.
Durante sete anos o doutor fez o seu trabalho de Pigmalião. Estava com tudo para desfrutar por muitos anos de uma vida muito boa. Tinha uma família bonita, mulher e quatro filhos, casa grande com pomar e jardim, uma clientela enorme, o respeito de toda a comunidade...
Foi quando tudo desabou. Numa noite de inverno, muito gripado, saiu para atender um doente. Este sarou, mas a gripe do doutor só fez piorar. O quadro se complicou. Veio uma pneumonia e, sem os recursos que agora existem, ele faleceu.
Chegara a hora de ver quem era amigo de verdade e quem apenas se aproveitava da generosidade do doutor.
Os irmãos dele se retiraram e não prestaram nenhum auxílio a jovem viúva e seus filhos. Não se interessaram pela sorte dos sobrinhos entregues a uma jovem inexperiente.
Muitos dos que deviam honorários ao doutor negaram as dívidas. Isso era bem do estilo da época, isto é, muita gente achava que viúva era presa fácil e podia ser roubada. Mas, com ela, eles se enganaram.
Aquela mulher simples, sob a fachada de alguém mimado por um marido apaixonado, havia incorporado muitos valores que agora iria usar. Sabedora de seus direitos lutou contra os espoliadores fazendo com que eles se curvassem ante a sua firmeza e coragem. Fazendeiros viram suas partidas de café embargadas no porto de Santos através de títulos protestados, outros não puderam registrar propriedades adquiridas de devedores do doutor... A jovem viúva surpreendeu todo mundo. Foi capaz de fazer pelos seus filhos o que seu marido teria feito. Na sua longa vida esteve sempre muitos anos a frente da maioria das mulheres e conseguiu passar esses valores para os filhos, netos e bisnetos.
A figura do doutor, que vislumbrara o potencial dessa mulher e soubera tão bem desempenhar seu papel de Pigmalião, cada vez me encanta mais. Juntando esses dados todos, concluo:
- Foi um prazer conhecê-lo, meu pai!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Ah! O amor...

AH! O AMOR…

Graças a Internet as três se acharam depois de mais de quarenta anos de separação. Nos tempos do ginásio elas estavam sempre juntas: no estudo, nas domingueiras, no “footing” e também nas paqueras. Depois, no colegial, elas se separaram. Cada uma foi para uma cidade do interior onde funcionavam os primeiros cursos desse nível. De início, a correspondência era freqüente. Depois foram se espaçando cada vez mais até cessarem de uma vez. Qualquer notícia era através de terceiros. Mais tarde, profissionais destacadas, elas apareciam nos noticiários.
Uma delas tomou a iniciativa e resolveu quebrar esse distanciamento. Estava curiosa. Qual seria a reação delas ante a possibilidade de um encontro? Aguardou e, com satisfação, recebeu a confirmação : as duas também desejavam o encontro.
Agora estavam as três novamente juntas. Com muita alegria elas se olharam e fizeram uma rápida a avaliação do que o tempo havia feito nelas. As sessentonas estavam ótimas. O tempo não quebrara aquele espírito jovial dos anos quarenta.
Chegara a hora de colocarem uma para as outras os fatos mais significativos de suas vidas. Teriam eles ligação com as aspirações da juventude? Foram felizes?
Sofia foi a primeira a falar. Médica bem sucedida tivera a oportunidade de realizar cursos no exterior, doutorar-se e ser livre docente. Passara por três casamentos e, no momento, estava livre. Tivera três filhos, cada um de uma união.
Vera também divorciada, não se casara novamente. Como jornalista viajara muito. Entrevistara pessoas famosas, freqüentava lugares sofisticados e, como sempre, continava muito independente.

Helena estava casada há mais de 30 anos e sentia-se feliz. Também fizera carreira como advogada juntamente com o marido, embora em especialidades diferentes. Tinha filhos e netos.
Depois dessa primeira troca de informações, veio a primeira pergunta: E no amor, como elas se realizaram?
- Pois é, sem conhecer as idéias de Alvin Toffler, optei por casamentos temporários, falou Sofia. Em todos eles fui feliz enquanto duraram. Talvez, pelo estilo de vida que optei, chegava um ponto em que as relações se esgotavam, os interesses divergiam e os objetivos de cada um apontavam para caminhos diferentes. Sem amargura, vinha a separação. A amizade e a solidariedade em nenhum dos casos deixaram de existir. Sempre encontrei alguém, na hora certa, que tinha as mesmas aspirações que me impulsionavam no momento. Não afasto a possibilidade de partir para um outro casamento. Meus filhos se dão muito bem com as novas famílias que seus pais constituiram. Minha carreira não sofreu nenhum percalço. Sempre pude me dedicar a ela de um modo pleno. Em suma, estou feliz!
- Três casamentos e ainda pensa em partir para um outro? Que coragem! Para mim, um só foi o bastante. Foi um casamento turbulento. Havia mais competição do que colaboração. O meu trabalho era fonte de constantes atritos e ele sempre o substimava. Gradativamente fomos percebendo que nossos objetivos jamais seriam os mesmos. Assim a solidariedade, a amizade, a ternura foram desaparecendo. Não sobrou nada desse relacionamento. Dediquei-me a minha profissão e sou feliz,a minha moda. E você Helena? Como é que segurou seu casamento por tanto tempo?
-Não há nada especial nele. Casei-me pensando que a felicidade a gente faz. Numa sociedade em que tudo muda com uma rapidez assustadora, buscamos nos ajustar as novas situações, sopesando bem cada passo, de comum acordo, sem competição, sem imposição. Isto não significa que pensemos de um modo igual. Divergimos em muitas coisas, mas não no essencial. Temos a mesma profissão, trocamos idéias, fazemos ponderações a respeito do trabalho do outro, mas cada um faz o que lhe parece melhor. Não estamos preocupados com o “desenvolvimento paralelo” que tantos psicólogos e conselheiros matrimoniais alardeiam como condição “sine qua non” para o casamento ter sucesso. Apenas resolvemos caminhar juntos, renovando cada dia aquele encantamento que há tantos anos nos levou ao altar.
A conversa continuou animada. Cada uma resolvera a sua vida amorosa de maneira diferente. O amor é assim mesmo. É um sentimento tão complexo que cada um o realiza a seu modo.
Não dá para julgar.