sábado, 26 de julho de 2008

MEMÓRIAS DE UMA PARTEIRA – parte 3

A notícia do nascimento de uma menina, não raras vezes, era recebida pelos maridos com desprezo e desagrado. E, pior ainda! Culpavam a mulher pelo acontecimento. Era preciso, nesses casos, enfrenta-los e isso eu fazia com firmeza e indignação. Felizmente, tive sorte, nenhum deles ousou desdizer-me. Ah! Que pena! Naquele tempo eu também nada sabia de genética. Como eu gostaria de lhes dizer que os “culpados” eram eles!
Eis alguns casos que mostram bem o estilo de vida de parte da minha clientela e as condições em que viviam.
. Uma noite, num casebre, assistia uma mulher quando ouvi um ronco esquisito. Ora, o marido estava ali bem acordado, a mulher gemendo. De quem seria aquele ronco? Perguntei ao homem que barulho era aquele.
- Não é nada, dona. E' uma porca que costuma dormir em baixo da cama.
Fiquei arrepiada! Calcule se a porca, sentindo o cheiro de sangue, tivesse seu apetite despertado e atacasse a criança!
Com muito jeito consegui que o homem retirasse o animal do quarto embora ele insistisse que a porca era mansa... Como faze-lo compreender o absurdo da situação e os riscos decorrentes dela?
Sempre visitei minhas clientes após o parto. Precisava orientá-las nos cuidados pessoais e do nascituro. Por causa disso assisti 2 situações inusitadas.
Certa vez, não encontrando a paciente em casa, fui informada que ela fora ao rio lavar as roupas que usara na véspera, ocasião do parto. Não foi só isso. Daí a pouco ela estava de volta carregando, na cabeça, uma bacia cheia de roupa lavada...
A outra vez foi quando atendi a esposa de um comerciante. Ele estava viajando. A mulher era jovem, bonita e tinha longas tranças. Estava ansiosa à espera do terceiro filho. Já tinha duas meninas e “estava devendo ao marido um filho homem”. Seu desejo foi satisfeito: o garoto nasceu forte e bonito. A mulher ficou muito, muito feliz! Mal podia esperar o marido chegar!
No dia seguinte encontrei a parturiente sem as tranças. Estimulada pelas cunhadas, mais modernas, aproveitara a ocasião do nascimento do filho homem para cortar suas tranças, tão apreciadas pelo marido.
Passados uns dias resolvi dar uma passada na casa dela. Era na cidade, próxima a minha casa. Com surpresa encontrei a mulher com um lenço na cabeça e as tranças repostas. Com olhar triste e cheia de hematomas contou-me que o marido lhe dera uma surra por ter cortado o cabelo, mesmo ela estando de “resguardo” e de lhe ter dado um filho homem. Como sempre, não podia deixar por menos. Chamei o marido e manifestei toda minha indignação. Disse-lhe coisas que, se ele ainda estiver vivo, não terá esquecido. O homem baixou os olhos e não reagiu.
Mas, não era só tristeza. Havia também situações engraçadas, outras de revolta e também as de solidariedade.
Continua...

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