terça-feira, 22 de julho de 2008

MEMÓRIAS DE UMA PARTEIRA – parte 2
De inicio planejei mudar-me para uma cidade maior e fazer um curso para o magistério. Meus pais não aprovaram a idéia e se recusaram a me acompanhar. Sem a ajuda deles não poderia estudar e cuidar de quatro crianças ao mesmo tempo.
Outra tentativa: Receber em casa, como pensionistas, algumas professoras recém chegadas à cidade. Assim, eu e as crianças teríamos a possibilidade de ter bons modelos no uso da linguagem para contrabalançar o espanhol falado pelos meus pais. Era, também, um reforço na economia doméstica, embora não suficiente.
O acaso abriu-me um novo caminho, tal como o Dr. Langgaard descrevera. Uma vizinha entrou em trabalho de parto e não havia ninguém para ajudá-la. Foi aí que precisei agir. Tive calma e as lições todas daquele livro maravilhoso vieram à minha mente. Foi um sucesso. Experimentei uma alegria muito grande em participar da chegada de uma criança ao mundo. Dessa vez eu não era a que "dava a luz", mas a que contribuía para que tanto a mãe quanto a criança fossem bem sucedidas.
A notícia saiu da cidade e foi para o campo. As antigas clientes do meu marido, quando engravidavam, passaram a me procurar para garantir a minha presença quando chegasse o grande dia.
Casei-me posteriormente com um farmacêutico. Com ele tive a oportunidade de adquirir novos conhecimentos importantes para minha profissão. Durante muitos anos assisti centenas de mulheres na minha cidade e só deixei de fazê-lo quando, na década de Quarenta, mudei-me para São Paulo. Uma vez na Capital não mais havia razão para uma “curiosa” exercer essa atividade. Só voltei a fazê-lo para assistir minhas filhas quando da chegada de meus netos. Foi uma experiência maravilhosa! Elas confiaram em mim e permitiram que eu fosse a primeira pessoa a tocar naquelas crianças, minha continuidade no mundo!
Há mais de quarenta anos deixei de ser parteira. Agora, quase centenária, lembro com saudade daqueles tempos.
Atendi mulheres de todas as classes sociais e arranjei um sem número de afilhados. Até hoje tenho muitos amigos entre as crianças que "peguei". Muitas vezes, mal chegava de um parto e já tinha algum marido aflito me esperando... Reabastecia minha maleta e lá ia eu...
Não perdi nenhuma paciente ou criança nos 20 anos que exerci essa atividade. É bom lembrar que na época em que fui parteira os antibióticos praticamente não existiam. Eles surgiram no final da 2ª guerra mundial. Até então só dispúnhamos das sulfas que eram de difícil tolerância. O que nos restava era ter muito cuidado com a higiene. Isso não era nada fácil ante tanta ignorância e crendices. Mas era preciso tentar e insistir! Com perseverança consegui difundir muitos conceitos básicos de higiene entre as minhas clientes e seus familiares.
Havia, entretanto, um outro fator que pude observar nas muitas casas que freqüentei e que me aborrecia bastante. Era a posição inferior que a mulher ocupava dentro da família.. Não era uma regra geral, mas bastante freqüente. Vi moças bonitas se casando e rapidamente envelhecendo... Muito trabalho, gravidez seguidas, falta de tempo e incentivo para cuidados pessoais acabavam apagando o sorriso de seus lábios...Muitas delas nunca desfrutaram do companheirismo, elemento essencial na vida a dois. Quantas vezes encontrei parturientes acompanhadas apenas por vizinhas pois o marido aproveitara a ocasião para fazer uma pescaria...
Continua...

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