segunda-feira, 21 de julho de 2008

MEMÓRIAS DE UMA PARTEIRA - parte 1

MEMÓRIAS DE UMA PARTEIRA - parte 1
Nem sempre a gente escolhe a profissão. Muitas vezes ela nos pega sem nenhuma chance de opção. O mais engraçado é que mesmo nessas circunstâncias podemos nos apaixonar por ela. Foi o que aconteceu comigo.
Filha de imigrantes, nasci e fui criada na zona rural. Não freqüentei escolas porque naqueles tempos achavam que as mulheres não precisavam e não deviam ser letradas. Isso me deixou muito triste. Meu irmão resolveu então me ensinar a ler. Fui, portanto, alfabetizada em espanhol.
Aos dezessete anos encontrei o meu companheiro de vida. Nós éramos muito diferentes. Ele era médico, muito culto e bem mais velho do que eu. Como conciliar tamanha distância cultural? Os apaixonados sempre acham uma saída para esses desafios. Ele se propôs a me ensinar e eu, não tive dúvidas, empenhei-me em aprender. Estava disposta a superar todos os obstáculos, a “ir além”.
Fiquei encantada com esse mundo novo que se abria para mim. Os livros que pouco a pouco iam chegando às minhas mãos, as boas maneiras, o uso adequado das roupas... Ah! Meu Deus! Com um professor tão criativo, tão paciente, aprender, tornou-se para mim uma obsessão. Nosso casamento durou sete anos e nesse espaço de tempo estudei muito e tive quatro filhos.
Quando meu marido percebeu que eu me interessava pela sua profissão começou a me ensinar muita coisa: esterilizar os instrumentos, aplicar injeções, fazer curativos e também noções sobre partos. Pôs nas minhas mãos o livro "Arte obstétrica ou Tratado dos partos "do Dr. Langgaard.
Contou-me que o autor queria que as mulheres tivessem mais informações a respeito do assunto. Quantas vezes elas precisavam socorrer outras nessa situação e, muitas, não tinham a menor idéia de como fazê-lo. O livro tratava do assunto com simplicidade, era bem ilustrado e se destinava às "curiosas" que jogavam com sua experiência e com uma série de crendices. Visava, portanto, orientá-las e ajudá-las no desempenho da tarefa que lhes era imposta.
Encantei-me com a preocupação desse autor e procurei aprender tudo que ele se propusera a ensinar. Mal sabia o quanto seria importante eu ter dominado o conteúdo desse livro!
Quando enviuvei tinha filhos para criar, pais idosos e ninguém para me ajudar. Meu marido amealhara nesses anos um certo patrimônio. Na década de Vinte a situação econômica do mundo não era das melhores. Os inquilinos não pagavam os alugueres e as tentativas para cobrar as dívidas que muitas pessoas tinham com meu marido foram, maiorias das vezes, em vão. Negar dívidas às viúvas era uma prática comum, naqueles tempos, Elas que cuidassem de seus direitos, diziam. Foi o que fiz para surpresa de muitos deles: embarguei partidas de café no porto de Santos, protestei títulos, impedi a tradição de propriedades... Apesar de humilhados por terem sido vencidos por uma mulher, tiveram de me pagar. Assim mesmo, logo as minhas provisões estariam se esgotando. Precisava trabalhar. Mas, se para os homens a busca de trabalho não era fácil, para as mulheres, então, nem é bom pensar!
Continua...

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