terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Alegrias e tristezas de uma educadora

Alegrias e tristezas de uma educadora


Lecionei durante 20 anos numa escola estadual na cidade de São Paulo. Era uma escola de alto padrão. No começo do ano os professores consultavam a lista dos aprovados nos vestibulares nas universidades e , com alegria, víamos os nomes dos nossos alunos. Muitas vezes, nos primeiros lugares! Essa escola abrigava alunos desde o curso primário até o colegial e escola normal. Eles amavam seu estabelecimento de ensino e valorizavam seus professores. Ainda hoje, quarenta anos depois, eles costumam se reunir e convidam seus velhos mestres. É um encontro prazeroso.
Todavia uma reforma de ensino, no final da década de 70, desfez esse patrimônio acabando com o primário, ginásio (hoje ensino fundamental) e escola normal. Só restou o colegial e, portanto, foram abertas vagas para alunos de toda a redondeza.
Infelizmente estes não contavam com a mesma base e, por isso, não conseguiam acompanhar o ritmo do ensino que os professores costumavam desenvolver. O número dos novos era maior do que os antigos alunos e aqueles não tinham o mesmo apego que estes pelo estabelecimento
Como professora da Escola Normal eu estava à disposição do estabelecimento, sem aulas. Fui encarregada da avaliação do resultado escolar daquele ano. Com espanto constatei que o resultado fora calamitoso. Das classes do 1º. Colegial o resultado foi ainda pior. Algumas puderam aprovar pouquíssimos alunos e, uma delas, apenas 1!
Consultei os professores para saber onde estava o gargalo. Os de Matemática, Física e Química foram os que mais reclamaram da falta de base dos alunos, especialmente dos que tinham vindo de outras escolas. Sugeri que se fizesse no próximo ano “classes de apoio”. Fiz um projeto que determinava que, de inicio, diagnosticássemos as deficiências em matemática. Para tanto solicitei que os professores dessa matéria organizassem um prova com 20 questões abordando os pontos que provavelmente seriam os responsáveis por esses gargalos.
No inicio do ano seguinte aplicamos a prova em todo o alunado da 1ª. série colegial. Corrigidas as provas tabulamos os resultados, fizemos gráficos da performance de cada classe e de cada aluno. Uma grande parcela dos alunos não sabia calcular áreas, perímetros, operar com números decimais e frações ordinárias, extrair a raiz quadrada... Juntamente com os professores fizemos um projeto onde estabelecemos grupos de estudantes com dificuldades semelhantes e sugerimos a contratação de professores para dar aulas aos sábados. Calculamos a duração do curso e, em seguida, convidamos os pais desses alunos para tomarem conhecimento do projeto e ajudarem na execução dele.
A direção da escola apresentou nosso trabalho à Delegacia de Ensino em busca de apoio. Todavia, nada aconteceu e tivemos de assumir, por conta própria, a execução do projeto. Após varias semanas fizemos a avaliação e o resultado foi muito bom. Os professores estavam de parabéns!
No final do ano tivemos a satisfação de ver um resultado significativamente melhor do que o do ano anterior.
Pensei em repetir o projeto no ano seguinte. Entretanto, não consegui o apoio necessário. Pouco antes de me aposentar, pedi minha transferência para outra escola. Era melhor lidar com alunos.
Um remédio tão simples, com boa vontade, poderia melhorar e muito o ensino no Brasil. Bastava que se desse continuidade ao projeto e o ampliasse.

2 comentários:

Klikeducação disse...

Olá,
como aluna dessa escola me identifiquei completamente com seu relato. Embora jovem na época, entre 11 e 12 anos, pude perceber perfeitamente o desnível que se interpôs entre os alunos. E não se tratava, infelizmente, seomente do nível de instrução dos alunos. O contexto era bem mais amplo.
Um projeto como o seu poderia ter mudado o curso da história. Poderia ter facilitado o acesso a uma boa educação, com inclusão social, para um grande número de alunos. O oposto foi o que ocorreu ....desnivelou para baixo o ensino na escola, para que todos pudessem acompanhar. Pena que bons profissionais e suas boas atitudes, ainda hoje, não sejam adequadamente valorizados. Um abraço Hebe.

Rosalía Manicardi

margarida disse...

Professora Hebe, fui sua aluna no Magistério e a disciplina que lecionava era Psicologia.
Uma pena seu projeto não ter o apoio suficiente para prosseguir no colegio.Hoje em dia é difícil encontrar um grupo de educadores que se disponham fazer tal trabalho, quanto mais uma Delegacia Regional de Educação aprovar Projetos onde envolve verbas educacionais e novas contratações.
Sinto muito pelo seu projeto, o tempo passou e as coisas continuam as mesmas. Esta simplicidade e a boa vontade andam em falta numa Educação onde tudo se começa e nada se completa.
Muita saudades e um grande beijo.